São Francisco e a Eucaristia

Dia 4 de outubro é dia de São Francisco, como sempre estou um pouco atrasado, mas desta vez consegui um texto interessante, em minha diocese (Taubaté) ele é padroeiro, com o titulo de São Francisco da chagas.


Abaixo coloco um trecho do texto, que achei no site dos Frades Menores Capuchinhos da província portuguesa, o texto explica um pouco de como viveu e ensinou nosso querido e amado Frade de Assis a devoção e adoração a Nosso Senhor Jesus Cristo presente no Sacramento Eucarístico.


Se deliciem, aprendam, vivam e inflamem vossos corações.
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A experiência da presença de Cristo


Na narração da última Ceia, São João deu especial realce ao gesto do lava-pés (Jo 13,3-1). Não porque as palavras proferidas por Jesus não fossem importantes (eram-no, seguramente), mas porque preferiu realçar aquele gesto que, embora se enquadrasse de algum modo nos ritos próprios da ceia pascal judaica, primava pela originalidade na medida em que quis lavar aos seus discípulos não as mãos, como era hábito, mas os pés – uma acção própria dos escravos, a indicar que o serviço aos irmãos é também um memorial da sua presença.
Ao escrever a forma de vida que desejava para os seus irmãos, Francisco vai usar precisamente esta passagem do Evangelho de São João, convidando-os à menoridade que se deve traduzir por gestos como o de lavarem os pés uns aos outros.[5] Tinha compreendido que a Eucarístia, onde o Senhor está «presente de um modo verdadeiro, real e substancial, com o seu corpo e o seu sangue, com a sua alma e a sua divindade»[6], como havia prometido aos seus discípulos[7], deve levar o cristão a um sério compromisso com os pobres.
Francisco percebeu que Jesus está presente de um modo muito especial sob as espécies eucarísticas, como se manifesta na reverência que tinha para com o Santíssimo Sacramento[8], as Igrejas[9] e os Sacerdotes[10]; mas percebeu também a presença simbólica do mesmo Jesus onde estiverem reunidos dois ou três em seu nome,[11] nos pobres, nos leprosos e nos presos, nos mais pequeninos e nas mais humildes criaturas.[12] Vejamos.
A presença real de Cristo na Eucaristia
Depois da fração do pão, durante a última Ceia, Jesus convidou os seus discípulos a repetirem aquele mesmo gesto em sua memória[13]. Tal gesto foi acolhido com obediência e gratidão por Francisco de Assis, que dizia:
«O pão nosso de cada dia, o teu dileto Filho nosso Senhor Jesus Cristo, nos dá hoje, para memória, e inteligência e reverência do amor que nos teve, e de quanto por nós disse, fez e suportou.»[14]
Francisco «jamais deixava de ter presentes, em aprofundada contemplação, […] a humildade da Encarnação e a caridade da Paixão»[15] e exortava os irmãos a acreditarem, pela fé, na presença real de Cristo na Eucaristia[16], que «agora se mostra a nós no pão sacramentado»[17], presente «como auto-dom de si mesmo».[18]
Francisco «ardia de amor em todas as fibras do seu ser para com o Sacramento do Corpo do Senhor e […] comungava com tal devoção que tornava devotos os que o viam.»[19] Queria que os seus irmãos participassem todos os dias na Eucaristia[20]porque, dizia ele, «ninguém se pode salvar sem receber o santíssimo Corpo e Sangue do Senhor»;[21] mas, ao saber que vários sacerdotes celebravam várias missas por dia apenas por dinheiro, pediu, na Carta a toda a Ordem, que se celebrasse apenas uma missa por dia em cada comunidade e que nas comunidades em que houvesse vários sacerdotes os outros se contentassem em ouvir a missa daquele que celebrava.[22]
Francisco «consagrava a Cristo um amor tão vivo […] que parecia sentir fisicamente diante dos olhos a presença contínua do Salvador»,[23] percebendo que é sobretudo no sacrifício eucarístico, nessa constante doação do seu próprio Filho ao homem, que Deus se manifesta como Amor, Sumo Bem.[24] O Cristo presente na Eucaristia é o mesmo que está nos céus, sentado à direita do Pai[25], «a contemplar os que se aproximam devidamente do seu tabernáculo».[26] Na comunhão do Corpo do Senhor, Francisco viu o «alimento por excelência de toda a santidade».[27]
A reverência para com o Santíssimo Sacramento
Encontramos em quase todos os escritos de São Francisco o apelo à reverência pelo Santíssimo Sacramento. Na Carta a toda a Ordem, pede-o especialmente aos seus irmãos:
«E por isso a todos vós, irmãos, imploro no Senhor, beijando-vos os pés e com quanta caridade eu posso, que presteis toda a reverência e toda a honra que puderdes, ao santíssimo Corpo e Sangue de nosso Senhor.»[28]
A alguns movimentos heréticos que negam «a presença real de Cristo sob as espécies, fora da celebração»,[29] Francisco responde com um amor muito grande ao santíssimo Sacramento. Esse amor a Cristo, presente em todas as igrejas do mundo,[30] é que o levava a não suportar vê-l’O em lugares indignos, em igrejas sujas e descuidadas. Aliás, o «testemunho mais eloquente dessa fé concreta e realista de Francisco [na eucaristia] é talvez a sua extrema suscetibilidade para com as faltas de respeito ao Sacramento.»[31]
Ainda no mundo, antes da sua entrega total a Deus, comprava objetos «que servissem de adorno das igrejas e fazia-os chegar secretamente aos sacerdotes pobres»;[32] e quando saía pelas aldeias, levava consigo uma vassoura para varrer as igrejas e capelas por onde passasse.[33]
O seu respeito para com o Santíssimo Sacramento era tal que,
«Um dia, teve a ideia de enviar os irmãos pelo mundo com píxides preciosas, com a missão de colocarem o mais dignamente possível esse divino penhor da nossa redenção onde vissem que o conservavam com pouca reverência e decoro.»[34]
Mas esse respeito não o movia apenas a um cuidado muito grande com a limpeza das igrejas, das alfaias sagradas e das píxides; também o levava a preparar-se, por meio de uma contínua purificação interior, para comungar o Corpo do Senhor do modo mais digno possível.
Francisco tinha bem presente a advertência de São Paulo: «todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Portanto, examine-se cada um a si próprio e só então coma deste pão e beba deste vinho; pois aquele que come e bebe, sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação».[35] Daí não se cansar de a repetir nos seus escritos, convidando «todos os cristãos, religiosos, clérigos e leigos, homens e mulheres»,[36] e ainda «todas as autoridades e cônsules, juízes e reitores, em qualquer parte da terra»[37] a fazerem penitência e a receberem o Corpo do Senhor com humildade e veneração.[38]
Grandemente preocupado com a ignorância e o pecado de alguns,[39] escreveu aos sacerdotes que entretanto a ele se juntaram:
«celebrem o verdadeiro sacrifício do Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, com santa e pura intenção, e não por qualquer motivo terreno, nem[…] para agradar aos homens. Ó miséria grande, ó miseranda fraqueza, terde-lo vós assim presente, e ocupardes-vos de qualquer outra coisa do mundo!»[40]
O respeito pelos sacerdotes 
Apesar do que se disse acima acerca do comportamento pouco correto de muitos sacerdotes no tempo de São Francisco, uma das grandes novidades do movimento nascido com o Santo de Assis foi, precisamente, o enorme respeito pelos sacerdotes.
Acreditamos que «foi a fé na Eucaristia que lhe inspirou uma gratidão profunda para com os sacerdotes, ministros do inefável sacramento.»[41] Quando movimentos heréticos como o dos Cátaros, de que já falámos, questionavam a validade da Eucaristia celebrada por sacerdotes “indignos”, Francisco mostrou um amor e uma reverência muito grande para com eles, recomendando aos seus irmãos: «dissimulai as suas quedas, supri as suas muitas faltas e, quando isto houverdes feito, mais humildes sereis.»[42]
Era seu desejo que se tivesse grande respeito pelas mãos do sacerdote. Dizia frequentemente:
«Se me acontecesse […] encontrar ao mesmo tempo um santo vindo do céu e um sacerdote pobrezinho, saudaria primeiro o sacerdote, correria a beijar-lhe as mãos e diria: “Um momento, por favor, São Lourenço, porque as mãos deste tocam o Verbo da Vida e possuem um poder sobre-humano”.»[43]
Francisco vai ainda mais longe: segundo a Legenda do Anónimo Perusino, pede aos seus irmãos que, se encontrarem um sacerdote montado a cavalo, beijem não apenas a mão ao sacerdote, mas também as patas do cavalo em que ele for montado.[44] Embora num estilo de “florinha”, essa história revela bem a reverência que São Francisco tinha para com os sacerdotes, «ministros de Deus».[45]
Conclusão
Viver o sacramento da Eucaristia ao jeito de São Francisco implica não só a comunhão do Corpo e Sangue do Senhor, a adoração silenciosa e amorosa do santíssimo Sacramento, o cuidado com as igrejas e os objectos sagrados e o respeito pelos Sacerdotes – como também a opção pelos pobres e marginalizados, imagens do Menino frágil evocado em Greccio, sempre presente no seio de quem pratica o Bem e anuncia a Paz.
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Frei Hermano Filipe, OFMCap.



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[5] Cf. 1 R 6,3.
[6] Igreja CatólicaCatecismo Igreja Católica. 2ª ed. Coimbra: Gráfica Coimbra, 1999, n. 1413, p. 365.
[7] Cf. Mt 28,20. Jesus assegura a sua presença, por meio de sinais, no seio da Comunidade unida na Caridade.
[8] Cf. EP 6.
[9] Cf. EP 56-57.
[10] Cf. TC 57; 1 C 62; 2 C 8.
[11] Cf. Mt 18,20. Jesus é apresentado por Mateus como Senhor da Comunidade, Emanuel, o Deus connosco.
[12] Cf. Mt 25,31-46. Ver também Mc 9,36-37.
[13] Cf. Jo 6,48-58.
[14] PPN 6.
[15] Cf. 1 C 84.
[16] Ex 1,21.
[17] Ex 1,19.
[18] MARTINS, José Saraiva – Eucaristia. Lisboa: Universidade Católica, 2002, p. 146.
[19] 2 C 201.
[20] Cf. 2 C 201.
[21] Cf. 1 CCt 6.
[22] Cf. CO 30-31.
[23] LM 9,2.
[24] Cf. IRIARTE, Lázaro – Historia Franciscana. Valência: Editorial Asis, 1979, p. 151.
[25] Cf. 1Pe 3,22.
[26] KOSER, Constantino – O Pensamento Franciscano. 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1998, p. 184.
[27] Ibidem, p. 182.
[28] CO 12.
[29] Martins, José Saraiva – Eucaristia. Lisboa: Universidade Católica, 2002, p. 147.
[30] Cf. T 5. Desde há muitos anos, existe a tradição, nalguns Conventos Franciscanos, de rezar todo o versículo 5 do Testamento, que a seguir transcrevemos, cada vez que se entra na capela da comunidade ou numa outra igreja: «Adoramos-te, santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as tuas igrejas que estão por todo o mundo, e te louvamos, porque pela tua santa cruz remiste o mundo».
[31] PELVET, Jean – Fé e Vida Eucarísticas. In A Espiritualidade de Francisco de Assis. Braga: Editorial Franciscana, 1993, p. 105.
[32] TC 8.
[33] Cf. LP 18; EP 56.
[34] 2 C 201.
[35] 1 Cor 11,27-29.
[36] 2 CF 1.
[37] CGP 1.
[38] Cf. CO 12.
[39] Cf. CCl 1.
[40] Cf. CO 14.25.
[41] Iriarte, Lázaro – Vocação Franciscana. Petrópolis: Editora Vozes, 1976, p. 41.
[42] 2 C 146.
[43] 2 C 201.
[44] Cf. AP 37.
[45] 2 C 8.

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siglas utilizadas:

Escritos de São Francisco:
1 CCt – Primeira Carta aos Custódios
1 R – 1ª Regra (Regra não bulada)
2 CF – Carta aos Fiéis (2ª redacção)
CC – Cântico das Criaturas (ou do Irmão Sol)
CCl – Carta aos Clérigos
CGP – Carta aos Governantes dos Povos
Ex – Exortações
CO – Carta a toda a Ordem
PPN – Paráfrase do Pai Nosso
T – Testamento

Biografias:
1 C – Tomás de Celano, Vida Primeira
2 C – Tomás de Celano, Vida Segunda
AP – Legenda do Anónimo Perusino
EP – Espelho de Perfeição
Fl – Florinhas de São Francisco
LM – São Boaventura, Legenda Maior
LP – Legenda Perusina
TC – Legenda dos Três Companheiros




O texto original achei aqui: 



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